Franquias e a LGPD (Lei Geral de Proteção De Dados)

Artigo: Franquias e a LGPD (Lei Geral de Proteção De Dados)

Franquias sem ciladas

Em agosto de 2020 todos passarão a ter que cumprir as previsões da nova Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) no 13.709/2018, situação na qual as exigências de “disclosure” contidas nova Lei de Franquias no 13.966/2019 tomarão toda uma nova proporção.

A LGPD tem por objeto a proteção à utilização de informações relacionadas a identificadas ou identificáveis, com o objetivo de resguardar “os direitos fundamentais de liberdade e de privacidade e o livre desenvolvimento da personalidade da pessoa natural”. Esta se aplica ao “tratamento de dados pessoais, inclusive nos meios digitais, por pessoa natural ou por pessoa jurídica de direito público ou privado” devendo também ser observada pela União, Estados, Distrito Federal e Municípios, exigindo todo um mapeamento e implementação de soluções técnicas, visando a proteção de dados de terceiros.

Por outro lado, a nova Lei de Franquias também é clara ao dispor que empresas privadas, públicas e entidades sem fins lucrativos podem adotar o sistema.

Desta forma, tanto a LGPD, quanto a Lei de Franquias têm um amplo aspecto, potencialmente envolvendo entes públicos e privados, que estarão obrigados a respeitar a LGPD.

Tendo em vista que um dos aspectos principais da legislação de franquias é a necessidade de prestação de informações ao potencial franqueado visando uma decisão informada sobre a opção pela franquia, incluindo sobre os negócios da franqueadora e seus franqueados, há quase uma implícita obrigatoriedade de tratamento de dados para o cumprimento das obrigações legais, o que gera potenciais conflitos. Vejamos a seguir.

Informações prestadas para potenciais franqueados

A Lei de Franquias, repetindo a lei anterior, requer o fornecimento prévio ao potencial interessado de COF (Circular de Oferta de Franquia), escrita em língua portuguesa, de forma objetiva e acessível[1], com determinada antecedência, contendo obrigatoriamente, dentre outros:

  1. histórico resumido do negócio franqueado;
  2. qualificação completa do franqueador e das empresas a que esteja ligado, identificando-as com os respectivos números de inscrição no Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica (CNPJ); e
  3. relação completa de todos os franqueados, sub franqueados ou sub franqueadores da rede e, também, dos que se desligaram nos últimos 24 (vinte quatro) meses, com os respectivos nomes, endereços e telefones.
  4. Vê-se, então, que não só haverá necessidade de prestação de informações de empresas relacionadas ao franqueador, mas também dos sub franqueados ou sub franqueadores, o que implica no necessário tratamento de dados para tal divulgação.

Com vistas a respeitar as exigências da LGPD, mister que se inclua nos contratos de franquia, inclusive quaisquer contratos já em vigor, a expressa autorização para tal divulgação, obtendo-se consentimento formal e por escrito. Recomenda-se também, que qualquer divulgação seja precedida de um termo de confidencialidade, firmado pelo recipiente dos dados, de forma a garantir a confidencialidade exigida por lei.

Não obstante, há determinadas exceções legais em que se permite o tratamento/divulgação mesmo sem expressa previa anuência. Nos termos do Art. 7º da LGPD, o tratamento de dados pessoais somente poderá ser realizado em determinadas hipóteses, dentre as quais chamamos a atenção para:

  1. o cumprimento de obrigação legal ou regulatória;
  2. b.      pela administração pública, para o tratamento e uso compartilhado de dados necessários à execução de políticas públicas previstas em leis e regulamentos ou respaldadas em contratos, convênios ou instrumentos congêneres;
  3. c.       quando necessário para a execução de contrato ou de procedimentos preliminares relacionados a contrato do qual seja parte o titular dos dados, a pedido deste; e
  4. quando necessário para atender aos interesses legítimos do controlador ou de terceiro, exceto no caso de prevalecerem direitos e liberdades fundamentais do titular que exijam a proteção dos dados pessoais.

Note-se que, dentre as hipóteses em que é lícito o tratamento de dados, haveria espaço para a interpretação de que a divulgação de informações de franqueados é de legítimo interesse do franqueador e potenciais interessados. Não obstante, ainda há que se verificar qual será a interpretação que será dada pela agência competente, cabendo adotar uma postura mais conservadora, obtendo-se o consentimento prévio e por escrito, sempre que possível.

Informações sobre concorrência

Dentre informações a serem prestadas conforme a Lei de Franquias, há também a exigência de que estabeleça de forma clara as regras de concorrência territorial entre unidades próprias e franqueadas e as condições de suporte e incorporação de inovações tecnológicas oferecidas aos franqueados, bem como que se forneçam dados precisos no tocante ao registro de marcas e direitos de propriedade intelectual franqueados.

Observa-se, então, que, para o cumprimento de tais obrigações, é plausível que seja necessária a inclusão e tratamento de dados mercadológicos, de tecnologias e propriedade intelectual de terceiros, no caso, os franqueados, dentre outros dados a serem divulgados. 

Novamente, como mencionado acima, deverão ser observados os parâmetros da LGPD, na maior extensão possível, buscando sempre que possível a utilização de meios técnicos razoáveis e disponíveis no momento do tratamento (como criptografia), bem como a anonimização, quando determinado dado perde a possibilidade de associação, direta ou indireta, a um indivíduo, dentre outras tecnologias.

Informações de clientes

Por fim, uma terceira categoria vem a ser os dados envolvidos na relação de franquia com os clientes finais dos (sub) franqueados.

Para uma melhor estruturação de franquia, pressupõe-se a necessidade de compartilhamento e tratamento de informações de clientela, o que gera mais um ponto de conflito potencial no tocante à proteção exigida pela LGPD.

Idealmente, todo tratamento de dado seria precedido de consentimento formal. Não obstante, tratando-se de clientela final, em muitos casos, como aquisição de bens e serviços, ainda prevalece a informalidade, como no preenchimento de cadastro por caixas de supermercados ou farmácias, no momento da aquisição do produto. Assim, na prática, o consentimento formal no que se refere a consumidores nem sempre é de fácil obtenção.

Destarte, recomenda-se que, tanto franqueadas quanto franqueadoras, adotem mecanismos de proteção de dados de terceiros, utilizando-se da tecnologia necessária para tais fins, envolvendo desde o preenchimento de cadastros com anuência expressa, criptografia, anonimização, aplicativos personalizados e sistemas de proteções compatíveis.

Conclusão

Enquanto a Lei de Franquias exige uma série de divulgações de informações com vistas à tomada de decisões pelo franqueado – e o sistema de franquias requer uma contínua transferência de dados entre as partes envolvidas para melhor desenvolvimento – a LGPD veio a estabelecer determinados mecanismos de proteção e exigências para o tratamento de dados.

Assim, os contratos e sistemas de franquias hão de prontamente se adaptar à nova legislação em vigor, sempre que possível: (i) obtendo a anuência expressa para divulgação necessária e prévio compromisso de confidencialidade; (ii) atendo-se aos legítimos interesses das partes; e (iii) utilizando de anonimização, criptografia e outros mecanismos de proteção disponíveis.

[1] Art. 3º. Da Lei de Franquias.

“§ 1º  A Circular de Oferta de Franquia deverá ser entregue ao candidato a franqueado, no mínimo, 10 (dez) dias antes da assinatura do contrato ou pré-contrato de franquia ou, ainda, do pagamento de qualquer tipo de taxa pelo franqueado ao franqueador ou a empresa ou a pessoa ligada a este, salvo no caso de licitação ou pré-qualificação promovida por órgão ou entidade pública, caso em que a Circular de Oferta de Franquia será divulgada logo no início do processo de seleção.”

Ana Beatriz Barbosa Ponte

Franquias e a Lei Geral De Proteção De Dados

Sócia do Perez & Barros, Masters of Laws pela New York University, Membro da Comissão de Hotelaria e Multipropriedade do IBRADIM e da Comissão de Direito Urbanístico e Imobiliário da OAB/RJ.


Agência VitalCom