Famílias empresárias e os aspectos socioemocionais da sucessão

Famílias empresárias e os aspectos socioemocionais da sucessão

Um grande desafio para o crescimento contínuo das empresas familiares é, sem dúvida, planejamento sucessório de sua administração

O estudo “Family Business Survey”, de 2021, realizado pela PwC, aponta que 78% das empresas familiares brasileiras esperam ver crescimento ao longo deste ano. Essa perspectiva é maior que a média mundial de 65%.

Percebe-se, portanto, a importância econômica dessas empresas para o País, fazendo-se necessário entender o seu ciclo vital. Assim, destaca-se que um grande desafio para o crescimento contínuo das empresas familiares é, sem dúvida, a sucessão de sua administração e controle para a próxima geração.

A sucessão é o teste supremo para esse tipo de empresa, tendo em vista ser comum, dentro da esfera familiar, a existência de conflitos gerados por divergência de ideias e expectativas entre os membros. Nesse contexto, destaca-se que, muitas vezes, os conflitos existentes entre irmãos, embora sejam uma decorrência natural dos vínculos humanos, podem ocasionar o insucesso futuro do negócio familiar. 

Isto é, quando ocorre a sucessão familiar, os filhos são herdeiros e as questões relativas à transmissão patrimonial tendem a despertar rivalidades no âmbito familiar. Os critérios adotados na transmissão dos bens evocam o tema do lugar ocupado pelos herdeiros e o status que lhes foi concedido ou recusado pelos pais.

Sob esse ponto de vista, os testamentos não são apenas atos jurídicos que regulam a transmissão dos bens de uma geração à outra, mas são também recebidos como documentos de valor emocional. Dessa forma, é relevante que os sucedidos entendam as dinâmicas relacionais da família, para guiá-la no caminho espinhoso da sucessão empresarial. 

Alfred Adler, considerado o pioneiro no estudo das relações fraternas, traz a ideia de que a constelação entre irmãos é o primeiro “microcosmo” social do qual uma criança participa, dentro do qual é usual que os filhos assumam determinados papéis. Um exemplo é a ideia de que o filho mais velho seja identificado como aquele que se destina a ocupar o lugar de prolongamento com a identidade do pai. Assim, sem prejuízo de outras variáveis, as pessoas apresentam certas características dependendo de onde se situam nas constelações de suas famílias (segundo Roberta M. Gilbert, em “The Eight Concepts of Bowen Theory”), de acordo com a mistura entre ordem de nascimento e gênero.

Mesmo que outros fatores possam interferir no processo da formação dos herdeiros, parte da solução para o sucesso da continuidade da empresa consiste justamente em retirar o peso desses papéis assumidos pelos filhos. 

É preciso, desse modo, retirar a responsabilidade pelo drama corporativo dos ombros dos irmãos, dividindo-a entre todos os participantes do contexto gerador de conflitos, inclusive e, principalmente, com os pais que passam o controle da sociedade. Nesse sentido, o ideal é que o sucedido pense em um planejamento sucessório, o qual é a ferramenta que pode auxiliar os fundadores a construir mecanismos pacíficos de transição, capazes de ajudar a família a usufruir seu patrimônio e a não destruí-lo depois da aposentadoria ou morte do patriarca.

A sucessão da empresa familiar é, nessa conjuntura, um processo de transição, que precisa ser bem planejado e executado, pois significa a transmissão de uma cultura organizacional, de um patrimônio tangível e intangível e de uma liderança que permitirá garantir a perenidade do negócio e, ao mesmo tempo, preservar os interesses dos familiares.

Conceber, então, de forma precoce um modelo societário para o futuro, estabelecido mediante consenso de todos os membros da família, previne conflitos e propõe, desde a sua elaboração, uma gestão organizada da transmissão societária. 

Portanto, para além de demandar um cuidado para com aspectos societários, fiscais, financeiros e operacionais, um bom planejamento sucessório precisa de atenção aos elementos socioemocionais. Não só durante o processo de elaboração do plano sucessório, mas também depois, para a implantação da mudança acordada, é necessário tomar em conta as relações entre os membros da família proprietária, as características culturais, os anseios individuais e o dilema da passagem de bastão de quem está no poder.  

André Silveiro

André Silveiro

Sócio da área de Direito Societário e Empresarial de Silveiro Advogados e autor dos livros “Empresas Familiares: Raízes e soluções de conflitos” e “Turnaround: Revigorando Empresas Familiares”


Agência VitalCom